1. |
Menstruadíssima
05:17
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É um daqueles dias.
A correr de um lado para o outro como se tivesse pilhas.
A não parar, não parar.
A beber café, a menstruar.
A beber café… A menstruar…
A beber café… A menstruar…
A beber café… A menstruar…
A beber café… A menstruar…
É um daqueles dias.
A dizer ao patrão que já faço, já faço,
Quando ambos sabemos que não o vou fazer.
Pouco tempo no regaço
Não se transforma em prazer.
São rosas, senhor, no ambientador.
Olhos presos no computador.
Lá fora está sol, cá dentro a escorrer.
Quando a única coisa que queria
Era meter-lhe o tacão contra a traqueia, e dizer:
Tive sentada o dia todo. É que nem é bom.
É que nem é bom…
É que nem é bom…
É que nem é bom…
É que nem é bom…
Pingo um pouco pelo chão.
Ao longo do corredor da empresa.
Deste décimo-terceiro andar.
Não há *open space* que me chegue
Para eu abrir os braços
Sem me justificar.
Sete dias na semana
E eu ainda vou sangrar
Num poema.
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2. |
Minhota
08:37
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Tu sabes o que escondem estes verdes campos,
Sob a confidência da Virgem e dos Santos,
Dezenas de rapazes não resistem aos teus encantos,
E tu não te fazes de desentendida,
Sempre limaste o teu canto.
Ei-la: para onde vai com os pés dormentes?
Os olhos brilhantes, a testa quente,
E essa tez tão pálida, meu Deus,
Está doente da cabeça, do coração,
Ou aguarda apaixonadamente o regresso do Verão?
Nas festas de Agosto,
Em noites latentes,
Debaixo da lua,
Vermelha de ventre,
Estavas de luas,
Ou estavas carente?
Quando lhes deste a mão e lhes mostraste,
Às escondidas de toda a gente,
Como crescem as meninas com os pais ausentes.
Mais furtiva que uma serpente,
Tanto amor para tanta frente,
Não há Maria que Aguente.
Se não for amor,
É para vida toda,
Morrinha em redor,
Húmida a alcova,
A tua cara fria,
A afiar-me a poda.
Bonita.
Sardenta.
Sangrenta.
Minhota.
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3. |
Casa é Dentro
04:57
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Eu sabia
Que nunca entenderia
O porquê de estar aqui.
Se casa fica ao centro
A casa fica dentro,
Meia noite é concha vazia.
Eu sabia
Que nunca entenderia
O porquê de estar assim.
Se o medo fica ao pó
Parece pouca a ilusão
Sem sombra de razão.
Por onde os meus sonhos vão?
Por onde os meus sonhos vão?
Atenção meu coração
E o vento
Atenção meu coração
Solene
Atenção meu coração
E o tempo
Atenção meu coração.
Eu sabia
Que nunca entenderia
O porquê de estar aqui.
Se a casa fica ao centro
Se a casa fica dentro
Meia noite é concha vazia.
Eu sabia
Que nunca entenderia
O porquê de estar assim.
Se o medo fica ao pó
Parece pouca a ilusão
Sem sombra de razão.
Um dia
O meu irmão diria
Que eu poderia
Ter razão
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4. |
Levítico
13:48
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Meu querido,
Podes ser tão imenso como as montanhas,
Mas não entendes o seu coração,
As suas entranhas.
Somos seres de patranhas,
Da verdade cozida com manha,
E, se me palpito toda contigo,
É por te imaginar de tronco nú, suado,
A carregar lenha…
Minha querida,
Sou o leão da estrela,
Opiófago da boémia escarlate,
E a alcateia com quem fumego
Serve-se *à la carte*.
No meio da variedade do menu,
Dos brutos e dos parisienses,
Eu sou a Maria Sangrenta:
Apareço à terceira
Quando o céu irrompe em magenta,
Quando as meninas do papá como a menina
Trincam caramelos na feira
E sujam a vestimenta…
“Quem meu filho beija minha boca adoça“
Devias ser o menino mais bonito da vila
Aos olhos de uma mamã fogosa.
Tão travada pelos pais quando moça,
Tão uniformatizada para não ser perigosa,
Para agora suspirar com publicidade enganosa.
Um dia faço-lhe uma visita,
Vou lá a casa cozer chocolate.
E mexê-lo lentamente até ficar derretido,
Deixando-o descer-lhe lentamente até ao umbigo.
Ai filho, não me preocupo contigo.
Tão são e forte, homenzinho desde petiz,
Certamente vais fazer uma menina muito feliz.
A minha atenção vai para o pobre absolvido,
Desde 93 que curo indisposições e prurido…
Falando de publicidade enganosa,
Desses *gadgets* que compramos por não fodermos,
Desses carros velozes, roupa justa, *fast food* cremosa,
E de mim.
É que eu não baixava a guarda comigo.
Porque trabalho esta imagem como um eremita lento,
E só mostro o conteúdo quando for tempo,
Porque sou eu quem inicia o movimento,
Filha.
Curte-me este spot:
Eu mais 3 *partenaires*, loiras, altas,
Que não me olham mas dão-me alento,
Agarram-me os braços e fitam a câmara,
Um filtro a preto-e-branco,
A trespassar os vestidos um pouco de vento.
Nas mãos ostento um álcool caro.
Tenho um ar sério e certo. Suculento.
Com o dedo indico: “Vem”
E vocês vêm,
Porque sabem que vos curo desse sofrimento,
Esse puxão cinético.
Esse sapo que saltita na vossa barriga, entre o estômago e útero.
Tanta dor em vós que se resolvia neste momento.
“Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens”,
Sou um príncipe negro, como o Régio,
Estou na permanente vertigem.
Estou na permanente fuligem,
Que se agarra às fugas da rotina,
Sou o fim da energia que em mim tem partida.
Sou o fim de mais um dia da minha busca indefinida.
Eu sei o que vão dizer. Melhor, inferir. Que me procuro a mim mesma, no fundo. É sempre assim.
Mas se só me procuro, no fundo, onde é que me deixei? E que pedaço morno de carne eu soltei?
Uma pequena mulher sacudindo as pernas, relinchando, de costas para o chão como uma tartaruga imobilizada? Ou um pequeno embrião brilhante, em posição fetal, numa sarjeta, à espera?
Já me perdi.
E contraí.
E libertei.
Não chega, é precise que demore. É preciso que eu demore.
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